PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO (PPGAU)

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CARTA DE APOIO À COMUNIDADE PORTO DO CAPIM E DE AVALIAÇÃO PRELIMINAR DO PROJETO DO PARQUE ECOLÓGICO SANHAUÁ

 

CARTA DE APOIO À COMUNIDADE PORTO DO CAPIM E DE AVALIAÇÃO PRELIMINAR DO PROJETO DO PARQUE ECOLÓGICO SANHAUÁ

 

Foi com preocupação que neste dia 19/03/2019 amanhecemos com a notícia de que os moradores do Porto do Capim teriam 48 horas para deixar suas casas, sob a alegação de que a população estaria irregularmente ocupando uma área de preservação ambiental. 

Segundo portal G1 em notícia[1] publicada hoje, o prefeito Luciano Cartaxo reafirmou nesta quinta-feira dia 21/03, na própria comunidade que “Os moradores da Vila Nassau, na comunidade do Porto do Capim, no bairro do Varadouro em João Pessoa, vão ser retirados da área e transferidos para um condomínio popular que está sendo construído pela Prefeitura de João Pessoa na comunidade Saturnino de Brito, em Cruz das Armas”.

Apresentada essa síntese, cabe ressaltar alguns pontos:

I)                   A comunidade Porto do Capim (Vila Nassau) é uma ocupação tradicional ribeirinha que iniciou sua consolidação habitacional na década de 1940. Ou seja, são quase 80 anos de presença daqueles moradores e suas famílias constituídas em várias gerações na área do antigo porto, este que foi relocado para Cabedelo na década de 30 do século XX. Com a perda da função portuária, que origina o nome “Porto do Capim”, cedeu-se espaço para a população ribeirinha que já habitava as imediações e que buscara ali meios de sobrevivência por meio da pesca e pequenas atividades comerciais e de serviços. A região é histórica, pois naquele sítio, às margens do Rio Sanhauá, se deu os primeiros edifícios coloniais do século XVI. É de se estranhar que, após quase um século, a gestão pública de repente direciona suas ações (e preocupações) para a preservação ambiental, alegando inclusive, insalubridade para as pessoas que habitam a área há mais de 8 décadas;

II)                A UFPB e o curso de Arquitetura e Urbanismo desta instituição, juntamente com seu Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU), além dos cursos de Antropologia, Geografia, Educação, Filosofia, História, Ciências Sociais, Direito, Engenharia, dentre outros, sempre apoiaram as comunidades tradicionais no sentido de estudar sua identidade, seus valores socioculturais e históricos, e suas relações espaciais com a cidade e sua terra. Desse envolvimento surgiu, por exemplo, o V Seminário Internacional Urbicentros, ocorrido em novembro de 2016, que contou com a presença de pesquisadores do Brasil e do mundo, no qual se discutiu o pertencimento e a necessária permanência das comunidades tradicionais, em especial, as situadas em centros históricos brasileiros, frente às políticas urbanas em prol de apenas um viés – o da gentrificação;    

III)             Desde 2015 a UFPB tem atuado mais intensamente no apoio em projetos (de pesquisa e extensão), e na difusão de informação à comunidade pessoense e do Porto do Capim. Essas ações têm fortalecido trabalhos do Ministério Público no sentido de defender o interesse e patrimônio público, tradicional e histórico, da região. Projetos de urbanização pautados em critérios de sustentabilidade urbana, de baixo impacto de intervenção, e otimização da ocupação com segurança aos habitantes tradicionais (mantendo suas casas no local do Porto do Capim, em faixas de segurança aceitáveis), foram estudados e apresentados ao governo, à justiça, e à comunidade. Ademais, antes da remoção de moradores tradicionais à partir da alegação ambiental, é necessário refletir sobre as mansões do Bessa em área de Preservação Ambiental Permanente, ou na construção da Estação Cabo Branco de Oscar Niemeyer (custo de R$ 50 milhões aproximadamente) feito sobre uma falésia ativa que passou a se degradar rapidamente com a construção de vias e edifícios (culminando com a desativação de tráfego viário), ou das ocupações permissivas de um grande Shopping Center sobre o Rio Jaguaribe com uma contrapartida questionável, ou da liberação do desflorestamento de mais de 2,3 milhões de m² (230 hectares) destinados a setor hoteleiro no bairro Costa do Sol (próximo à falésia, mais uma vez), culminando com a construção de um Centro de Convenções (ao custo de R$ 234 milhões em 2014), obra esta que visa direcionar a urbanização para as áreas ainda verdes e intocadas do sul da capital. Por fim, há as galerias de água pluvial de bairros nobres da capital, como Manaíra, Tambaú e Cabo Branco que regularmente jogam água contaminada de esgoto no mar, em especial, nos períodos de chuva. Essas ações é que geram e gerarão muito impacto ambiental para a cidade!

IV)             A remoção da população ribeirinha, diante da Constituição federal, lei maior do Estado Brasileiro, especificamente o Estatuto das Cidades (LF 10257/2001), além da Reurb (LF 13465/2017) e Lei de Assistência Técnica (LF 11888/2008), é um grande equívoco político e urbanístico. Em 2017 o Ministério Público Federal, representado pelo Procurador Dr. José Godoy, conseguiu grande avanço no diálogo com a comunidade, apresentando até uma área de propriedade da União, no antigo Curtume, pouco mais de 200 metros da atual, para a realocação de parte da comunidade que estaria em risco, garantindo assim a permanência dos moradores em local muito próximo ao de moradia original. Neste acordo, o governo federal doou a área para a construção das moradias, por parte da prefeitura Municipal de João Pessoa. A nova proposta, na qual se planeja relocar para áreas distantes a mais de 2 km do Porto do Capim, na região do Saturnino de Brito, Trincheiras, sem que as moradias estejam sequer prontas para recebê-los. Nesse sentido, existem no próprio Porto dezenas de casarões abandonados, muitos de poder público. Em estudo recente, contabilizamos na área do Varadouro um potencial de alocação de mais de 30 mil habitantes (cerca de 10 mil habitações), sem construir nada além dos edifícios já subutilizados, abandonados, ou em processo de demolição acentuado. Basta um bom projeto de Arquitetura e Urbanismo. No Porto do Capim há cerca de 450 famílias e apenas uma pequena parcela deveria ser realocada devido aos riscos de sobrevivência e insalubridade do mangue, ou seja, em poucas construções abandonadas poderíamos alocar todas essas pessoas, sem necessariamente retirá-las do bairro e de seus vínculos familiares, econômicos e históricos.

Cabem ainda algumas explanações relativas ao Projeto para o “Parque Ecológico Sanhauá”, de 193 mil metros quadrados, dito ousado pela divulgação, que nas palavras de um slogan em vídeo promocional visa “preservar a história, cuidar do futuro”.

  1. Nos preocupa o acesso restrito ao projeto, seus detalhes, quantitativos de superfícies, metros de construção e pavimentação, áreas verdes e seus respectivos percentuais, ou mesmo no grau de preservação que será dado às edificações históricas. Não somos, de nenhuma maneira, contrários à intervenção urbana no Centro de João Pessoa, mas aos termos acesso às imagens e vídeo promocional do Parque Ecológico Sanhauá, ficamos com muitas dúvidas ao ver extensas áreas pavimentadas, sem árvores ou drenagem, sem sombra ou mobiliário urbano, desprovido de ciclovias ou mesmo paradas de ônibus em um 3D pouco elaborado e detalhado;
  2. À propósito, defendemos ações assertivas, público-privadas, de reinserção ou reabilitação de áreas históricas e em processo de obsolescência, como verificamos em outras cidades europeias, chilenas, colombianas, argentinas e brasileiras. Isso funciona também como um motor para a economia local, todavia, essas intervenções devem ser qualitativas, com projetos de excelência, e de preferência, resultados de concursos públicos. Por envolver dezenas ou centenas de milhões de reais, de recursos raros e escassos do erário em tempos atuais, a realização de concursos públicos são meios de maior garantia de qualidade projetual e de participação pública nesse processo, pois a ampla concorrência de bons escritórios ou consórcios nacionais e internacionais geram uma positiva discussão de Arquitetura e Urbanismo que reverbera, inclusive, para a imagem da cidade e da gestão pública positivamente. A Colômbia, Suíça, Inglaterra, Portugal, Espanha, Chile, são alguns dos exemplos pródigos de bons projetos públicos frutos de concurso públicos exitosos no mundo. E em caso de projeto a ser desenvolvido por equipe própria de gestão pública, seja de prefeitura ou secretaria específica, deve ser amplamente debatido e defendido publicamente, como feito em cidades de países democráticos e liberais: as audiências públicas são essenciais para a manutenção do processo democrático de vivência e produção do espaço urbano. A população deve ser ouvida no processo, não apenas no fim. Talvez aqui esteja o grande equívoco, pois diante de tantas formas de comunicação atuais, as gestões públicas ainda tratam projetos de arquitetura e urbanismo como segredo de estado, a ser custeado pelo povo (seu cliente direto);
  3. O centro carece de habitação, de pessoas morando, indo e vindo de seus percursos diários, garantindo a percepção de que há vida em todos os momentos do dia no local. E sem essa presença nenhum projeto urbano ou de intervenção pontual conseguirá trazer vitalidade, urbanidade e segurança para a região. O Projeto já construído da Vila Sanhauá é um bom exemplo de boa intenção urbana e de gestão, mas sem pessoas habitando as outras quadras do centro, criando maior densidade e misto de usos, ele tenderá à depreciação e ao ciclo de obsolescência de que tanto tratamos nas discussões de urbanismo em áreas centrais históricas. Há ainda uma escala menor e igualmente criteriosa de projeto arquitetônico, a das fachadas. Como elas estão dispostas? Quais os usos? E o número de acessos à rua, é adequado? Há sombras, árvores, espaços para descanso e recreio? Pergunta-se, esses quesitos importantíssimos (incluindo habitação, densidade urbana e uso misto) foram considerados pelo projeto? Como foram quantificados e testados?

A partir dos pontos apresentados, o corpo docente e discente do PPGAU manifesta sua posição contrária à remoção das famílias da forma como está sendo realizada, se solidariza com a Comunidade do Porto do Capim, e abre a possibilidade de diálogo técnico com a prefeitura, ministério público, população e comunidade pessoense em geral. Como instituição pública, oferecemos apoio técnico de qualidade à população nesse quesito.

No que tange ao projeto de urbanismo do Parque Ecológico Sanhauá, reforçamos nossa extrema preocupação quanto a exequibilidade e do impacto deste para o centro histórico. Entendemos que é bastante prematuro defender remoções e alterações drásticas sem a apresentação de projeto básico e executivo, com quantitativos, dados e detalhamentos construtivos, especificação de materiais, equipamentos e mobiliário, custos, para serem avaliados tecnicamente. Aliás, antes disso, os vídeos apresentados do projeto denotam ainda um Estudo Preliminar embrionário, com sérios erros projetuais, que devem ser corrigidos antes de maiores investimentos em fases de aprovação ou execução.

A realização de um concurso público não deve ser descartada, pois poderia apresentar boas ideias à equipe da prefeitura responsável pelo projeto, ou mesmo um novo projeto mais adequado à região e às questões levantadas neste documento. Ainda, com ou sem concurso, o projeto precisa ser debatido e aprovado pela população pessoense, em processo democrático e participativo.

Por todo o exposto, revela-se fundamental o estabelecimento de uma aproximação entre a sociedade e a comunidade acadêmica nas decisões públicas da gestão municipal, cumprindo papel público destes organismos, e deixamos abertas as portas para acesso aos nossos docentes, discentes, produção técnica, publicações e laboratórios de pesquisa em Arquitetura e Urbanismo à cidade de João Pessoa, capital do Estado da Paraíba.

 

Assinam essa carta os docentes e discentes do PPGAU-UFPB.

  

João Pessoa-PB, 22 de março de 2019.

 

[1] Fonte: https://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2019/03/21/moradores-do-porto-do-capim-em-joao-pessoa-protestam-e-prefeito-confirma-remocao.ghtml


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